Entrevista com as novas coordenadoras de curso (2021 – 2023)

07/04/2021 14:03

Tivemos, há pouco menos de um mês, as eleições para a coordenação do curso de pedagogia da UFSC. Nesse processo eleitoral, foi eleita a chapa composta pelas professoras Joana Célia dos Passos e Patrícia Lima. O CALPe fez contato com as novas coordenadoras e organizamos, então, a realização de uma entrevista com elas, a fim de permitir um momento e espaço em que pudessem expôr e elaborar um pouco mais sobre suas propostas, princípios e eixos. Num período em que o contato é tão dificultado, objetivamos promover um espaço para que as estudantes possam conhecer mais e melhor as novas coordenadoras.

Segue, na íntegra, a entrevista concedida pelas coordenadoras:

CALPe: Em primeiro lugar, gostaríamos de cumprimentar e parabenizar a chapa de vocês. Não só enquanto CALPe e estudantes, mas como curso, podemos dizer que estamos extremamente contentes com a disponibilidade e o compromisso de vocês em assumir a coordenação do curso nesse período. Desejamos que seja uma trajetória frutífera de construção coletiva do nosso curso, de lutas, conquistas e avanços. Em segundo lugar, podemos começar essa entrevista puxando os elementos que vocês já compartilharam conosco na Carta e na Live da Apresentação. Nosso objetivo nessa e nas próximas perguntas será de explorar e aprofundar as concepções que vocês já apresentaram. Então vamos lá: Na apresentação, vocês duas ressaltam suas trajetórias não só acadêmicas, mas na luta política e nos movimentos sociais. Para além das bandeiras desses movimentos que continuam a defender, como vocês acham que essa vivência auxilia e as prepara para assumir uma Coordenação de Curso de Pedagogia?

Coordenação: Inicialmente gostaríamos de agradecer a oportunidade que temos junto as/os/es estudantes do curso de Pedagogia de explicitar nossas defesas sobre a universidade pública e com isso, construir espaços de diálogo com o movimento estudantil. Compreendemos a importância das pautas coletivamente construídas pelo movimento
e esperamos, que essa entrevista, possa apresentar entendimentos sobre nossa posição-de-sujeito enquanto coordenadoras do curso. Primeiramente, destacamos que a composição da nossa chapa, duas mulheres, uma mulher negra como coordenadora e uma mulher branca como sub-coordenadora, não é um arranjo acidental, porém
pensado. Escolhemos essa configuração por entendermos a importância desta representação, para o curso de formação de professoras e professores situado no Sul do Brasil e nesta universidade. Com isso, já explicitamos, nesse arranjo, como nos entendemos como professoras dentro desta universidade. Nossas trajetórias e lutas via os movimentos sociais nos permite compreender o que desejamos construir enquanto projeto dentro da universidade. Os movimentos sociais ensinam e fortalecem posições porque dizem de nossos lugares de fala, de pertencimento e, portanto, de atuação politica. A vivência nos movimentos sociais nos permite atribuir um “sentido político” para nossas escolhas dentro da universidade pública.

CALPe: Vamos passar para os três princípios que vocês elencaram para a chapa. O que vocês entendem por “defesa incondicional da escola pública”? Sabemos que atualmente existem muitos atores políticos que dizem levantar a bandeira da “escola pública”, mas que por esse discurso escondem uma prática que leva à precarização e privatização da educação pública. Nesse sentido, de qual concepção de escola pública vocês estão falando?

Coordenação: Assumimos a defesa “incondicional da escola pública” porque é nela que se encontra ampla maioria dos/as filhos dos/as trabalhadores/as; porque reconhecemos a importância dessa instituição para a emancipação da classe trabalhadora. Além disso, essa é uma defesa do nosso Projeto Pedagógico de Curso (2008). Entendemos
primeiro, que estamos defendendo um projeto de formação construído ao longo de uma trajetória e por muitas mãos, Nesse sentido, quando nos colocamos para essa coordenação estamos “assinando“ nosso trabalho na construção desse projeto! A escola pública é lócus do nosso projeto formativo. Formamos professoras e professores para atuação no espaço público da escola, comprometidos com uma docência transformadora da realidade social e incluímos aqui, o entendimento que essa docência atua no combate as desigualdades sociais de classe, de raça, de gênero… A escola pública não é só o espaço para a diversidade, mas sobretudo, um espaço para as diferenças!

CALPe: Quanto à questão das ações afirmativas: o que querem dizer com “compromisso político do curso de Pedagogia”? E com “permanência simbólica”?

Coord.: Estamos nos comprometendo em pautar as ações afirmativas durante nossa gestão como uma política pública a ser implementada continuamente na universidade, e portanto, no curso. Entendemos que precisamos materializar ações que atuem na problematização do que significa ensinar e aprender tendo como centralidade o combate as desigualdades instaladas nas trajetórias dos sujeitos das ações afirmativas. A permanência dos/s estudantes que ingressaram por ações afirmativas no Curso, não passa somente pelas condições materiais que devemos assegurar, mas encontra como desafio ainda maior, a reformulação das concepções epistêmicas que
acumulam todo acervo “não problematizado” da branquitude no ocidente. É não mais calar sobre o racismo, o sexismo e as relações de classe que estruturam as desigualdades sociais também na universidade. É problematizar o racismo curricular, acadêmico, epistêmico. É assegurar a presença de estudantes de ações afirmativas em grupos de pesquisa. A permanência simbólica dos estudantes exige de nós, professoras e professores do curso, não apenas sensibilidade para acolhermos o diverso (indígena, negro, quilombola, deficiente, transexual, travesti, …), mas, a
diferença (as culturas, seus signos, seus acúmulos, suas trajetórias). Acolher as diferenças significa como professora/a se colocar como aprendiz de outros letramentos (racial, sexual, de gênero, das deficiências, etc). Importante destacar que não estamos aqui tratando de movimentos identitários, como algumas pessoas os classificam, afinal, lutar por ser aceito/a como gente, lutar pelo direito a existir, pelo direito a viver com dignidade é lutar por justiça social.

CALPe: O último princípio é “docência comprometida com os sujeitos e os contextos sócio-político-culturais”. O que isso quer dizer?

Coord.: Quer dizer exatamente isso que falamos acima. Os sujeitos precisam ser reconhecidos não apenas como diversos, mas, como diferentes. Se a docência é uma prática social relacional, devemos nos perguntar como as diferenças incidem sobre nosso modo de ser professores e professoras? como atuamos permanentemente, diante dos sujeitos que nos chegam? Necessitamos materializar práticas que atuem na diferença, não apenas para reconhecer que temos estudantes negros, quilombolas, indígenas, com deficiência, … mas como transformamos nossa docência na construção dessas relações. Dialetizar a docência! Um desafio!

CALPe: Para finalizar o bloco sobre os princípios: vocês já têm pensado em ações e propostas para concretizá-los? Se sim, gostariam de compartilhar conosco?

Coord.: Entendemos que não se trata de ações e propostas a serem concretizadas por duas pessoas na coordenação, por isso, defendemos princípios. Nossa compreensão é que as ações serão construídas nos espaços representativos do curso! Quando defendemos princípios por dentro de um projeto formativo, criamos a possibilidade para um trabalho coletivo.

CALPe: Vamos conversar um pouco sobre os eixos/propostas. Eles trazem uma variada gama de direções que vocês pretendem seguir e ajudam na materialização dos princípios. Vale a observação de que muitos dos pontos remetem a palavras como “diálogo”, “articulação”, “ampliação de vínculos”. Acho que podemos deixar esse espaço bem aberto para vocês explorarem o que quiserem com relação a esses eixos, mas se puderem, falem mais sobre o que significa esse foco nos termos destacados.

Coord.: Vamos lá então …. a palavra diálogo é entendida por nós como um exercício de comunicação que carece situar sempre a posição dos sujeitos que estão na relação comunicativa. A escuta atenta e o reconhecimento dos sujeitos são princípios do diálogo como comunicação. Dialogar pressupõe reconhecer as relações de poder e suas recursividades. O poder deve circular… é produzido e poderá desinstalar vícios, verticalidades, bem como, perspectivar relações mais horizontalizadas, no entanto, esse exercício só é possível quando reconhecidas as posições- de- sujeito. A palavra articulação está atrelada a ideia dos princípios como aqueles assumidos (proferidos) por nós e portanto, está implicado na tessitura dos mesmos, como escolha política para as nossas mediações junto aos espaços representativos. A palavra ampliação de vínculos encontra-se em nossa proposta, atrelada a ideia de que o curso já possui vínculos com a educação básica (como NDI e Aplicação, por ex.) no entanto, compreendemos a importância de uma ampliação visando espaços de maior envolvimento em pautas que entendemos ser urgentes para educação pública brasileira, sobretudo, quando estamos dentro de um centro de educação. Por exemplo: quais os impactos da BNCC na educação brasileira? Como a formação de professoras/es vem discutindo essas questões? Como o Centro de Educação que reúne a educação básica e um curso de Pedagogia se posiciona escutando o que vem sendo produzido nesses espaços? Como o CED nesse horizonte contribui para esse debate dentro desta universidade? Aqui, um exemplo sobre ampliação de vínculos.

CALPe: Certo, podemos fazer então um último “bloco” de perguntas sobre questões que tocam o movimento estudantil mais diretamente. Para iniciar essa parte da conversa, como vocês veem essa relação entre coordenação de curso e movimento estudantil? Sabemos que não é uma relação fácil o tempo todo, que ela é permeada de contradições e de tensões. Para nós, e já tivemos outros espaços para conversar sobre isso com vocês, isso não significa que não possamos trabalhar juntos e de forma muito produtiva, mas reconhecendo oslimites e as potencialidades dessa relação de forma honesta e sempre dialogada. Vocês concordam?

Coord.: Em nossa primeira conversa com CALPE, quando apresentamos nossa proposta para vocês deixamos claro nossa posição sobre o movimento estudantil. Entendemos a autonomia do movimento estudantil como algo central para construção dessa relação e reconhecemos a importância dessa representação.

CALPe: A democracia universitária é um valor e uma forma organizativa do nosso ensino superior público recheada de contradições. Enquanto estudantes, por exemplo, nós temos direito, segundo legislação e regimentos internos, a apenas 15% de peso nas votações institucionais, seja no Conselho Universitário (CUn), seja no nosso Colegiado de Curso. E mesmo com representação, sabemos que a forma de ouvir e responder às nossas demandas e colocações é diferenciada com relação àquelas trazidas pelos professores e técnicos. Adicionamos ainda que estamos num contexto em que mesmo essa “democracia contraditória” está ameaçada, com o governo de Bolsonaro-Mourão interferindo diretamente na nomeação de interventores não respaldados pela votação da comunidade acadêmica. Como vocês enxergam a questão da democracia universitária, tendo em vista as suas contradições internas e o contexto atual que a vilipendia ainda mais?

Coord.: Entendemos a necessidade dessas lutas e nos últimos tempos presenciais desta universidade lembramos as importantes batalhas travadas pelos/as estudantes (greves, movimentos) e como estes movimentos criaram pautas
inclusive para nós, professoras e professores. Também gostaríamos de destacar que esse mesmo entendimento temos das ações afirmativas, que os sujeitos (estudantes) ingressantes pelas ações afirmativas democratizaram ainda mais a universidade nas pautas que colocaram aos movimentos estudantis e para a universidade, contudo, as instâncias deliberativas e consultivas tanto da UFSC como dos movimentos (sindical, estudantil), ainda prescindem, da representatividade desses sujeitos.

CALPe: É impossível que não falemos do Ensino Remoto nesse momento. Não precisamos repetir muitos elementos dessa discussão, porque estamos, professores e estudantes, sentindo na pele as consequências desse projeto de ensino para o período pandêmico. Lembramos que uma das consequências diretas do Ensino Remoto no nosso curso foi que a maioria das estudantes se tornou multifases, o que dificulta a plena articulação horizontal e vertical de conteúdos prevista no nosso PPC. Como vocês pretendem lidar com o ensino remoto e suas consequências no curso de pedagogia?

Coord.: Entendemos o ensino remoto como uma medida num contexto de excepcionalidade. Nesse sentido, pretendemos atuar por dentro do processo avaliativo que o Curso criou e nos pautarmos na geração desses dados como fonte para nossa organização interna de Curso e para subsidiar as nossas pautas junto à universidade. Compreendemos que a avaliação não só fornece a base para as ações internas no Curso, mas produz conhecimento sobre o contexto histórico que estamos vivendo na educação brasileira.

CALPe: Se falamos de Ensino Remoto, falemos também da pandemia. Já estamos há mais de um ano com as aulas presenciais suspensas por conta do Coronavírus. Para além das aulas, a pandemia afetou e continua a afetar todas as dimensões das nossas vidas. Os seus efeitos são ainda mais sensíveis para estudantes vulneráveis economicamente, trabalhadores e desempregados, negros, indígenas, LGBTQs e quilombolas. Mais recentemente, a pauta da vacinação se tornou mais central do que nunca, uma vez que o governo federal não elaborou um Plano de Vacinação Nacional compreensivo, sistemático e funcional, e não tem feito a movimentação adequada para a aquisição e produção das vacinas. Soma-se a isso a recente liberalização do retorno às aulas presenciais nas escolas públicas do estado e de quase todo o país, sem protocolos de seguranças realistas e nem plano de contenção adequado. Quais as perspectivas, tanto de conversas e debates quanto de lutas, que vocês têm com relação à pandemia e seus efeitos? O que uma Coordenação de Curso pode fazer quanto a tudo isso?

Coord.: Entre essas coisas e outras mais, estamos fazendo quando assumimos um processo de avaliação do Curso de Pedagogia e não nos “envelopamos” na avaliação institucional. Estamos fazendo quando atenuamos nossa capacidade para produzir conhecimento a partir da realidade concreta de um curso que forma professores e professoras. Estamos fazendo quando posicionamos nossas escolhas em cenários concretos (assumindo riscos e
possibilidades visando os sujeitos do processo). Estamos fazendo quando orientamos professores e professoras para os riscos do ensino remoto num curso de pedagogia presencial. Estamos fazendo quando o Curso se manifesta publicamente em apoio aos/às trabalhadores/as da educação pelo não retorno presencial enquanto não se tiver plena garantia de vacina e de segurança sanitária nas escolas. Continuaremos a fazer abraçando o nosso PPC e buscando com isso, a defesa do nosso projeto formativo.

CALPe: 2021 vai ser um ano intenso. Já sabemos que o horizonte é de disputa, luta e muita resistência para esse ano, e para dar conta de responder a eles é preciso de nós, tanto enquanto sujeitos quanto enquanto curso, organização e muito debate. Vamos lançar alguns tópicos a seguir que consideramos ser pautas centrais para o nosso ano, e vocês podem discorrer e fazer as observações necessárias sobre cada um deles:

CALPe – a) Questão orçamentária da universidade, corte de 18% para o orçamento total de 2021 e continuidade da tramitação do Future-se como Projeto de Lei nas casas legislativas;

Coord.: As questões levantadas são pautas para vocês e para nós, professoras e professores. Algumas dessas questões já foram posicionadas pelo nosso curso e outras esperamos que se tornem pautas nas lutas organizadas dentro das universidades brasileiras, sobretudo, na UFSC. Nosso curso participou de forma ativa na discussão sobre o Future-se, temos professores no Curso de Pedagogia contribuindo significativamente na produção de conhecimentos sobre as questões do orçamento na educação e isso ampara em grande medida nossos posicionamentos enquanto curso de Pedagogia.

CALPe – b) Curricularização da Extensão na UFSC;

Coord.: Quanto a Curricularização da Extensão temos um documento produzido pelo curso que posiciona nosso entendimento sustentado pelo nosso projeto formativo.

CALPe – c) Reforma Administrativa e PEC Emergencial (já aprovada);

Coord.: Sobre a Reforma Administrativa compreendemos que necessitamos discutir o desmonte do Estado brasileiro e não só o desmonte das universidades públicas e a reforma encontra-se nessa direção. Isso nos exige a organização de base de nossas categorias para uma luta ampla em defesa da democracia na sociedade brasileira.

CALPe – d) Ensino híbrido ou retorno parcial das atividades de ensino presenciais na UFSC;

Coord.: Sobre o ensino híbrido entendemos que estamos em um curso presencial e que as condições para esse retorno “presencial” deverá ser assegurada pela vacinação e pela estabilização da crise sanitária, com a implementação de políticas emergenciais na universidade que vise os impactos( econômicos, sociais, saúde mental) na vida dos sujeitos (estudantes e trabalhadores ).

CALPe – e) Avaliação do Ensino Remoto no curso.

Coord.: Sobre esse último tópico, da avaliação do ensino remoto, entendemos que temos, enquanto curso de Pedagogia, um acúmulo sobre o que entendemos por ensino e nos respaldamos em nosso projeto formativo para a defesa do que é ensinar. O “remoto “ é uma modalidade criada durante a pandemia para o ensino e isso que avaliamos dentro do nosso curso. Quais os impactos dessa modalidade “remoto” no ensino? Quais impactos para o nosso projeto formativo?

– FIM DA ENTREVISTA –

 

Agradecemos à nova coordenação pela disponibilidade e pela busca do diálogo e publicidade das discussões. Seguiremos juntas, juntos e juntes, enquanto CALPe, estudantes e coordenação de curso, para a construção de um curso comprometido com a escola pública, com a permanência estudantil, em seus múltiplos aspectos, e com a docência comprometida com uma sociedade mais justa e igualitária!