ESTUDANTES DE PEDAGOGIA NA LUTA PELA VACINAÇÃO!

10/03/2021 09:19

“As sirenes do mundo guardaram silêncio,
jamais detectaram o incêndio de seu sangue”.
Biografia, de Leonel Rugama

 

Um ano de pandemia no Brasil; foi em 16 de março de 2020 que as aulas presenciais da UFSC foram suspensas. De lá pra cá, tivemos tempo mais do que suficiente para preparar o sistema de saúde, com médicos, enfermeiros, medicamentos, equipamentos e leitos, para o impacto da COVID-19, para organizar as atividades econômicas e sociais a fim de que o vírus não significasse a paralisação generalizada e recorrente destas, para criar consciência da gravidade da situação entre toda a população, e para planejar a campanha de vacinação com o cuidado e a atenção necessárias. Mas nada disso foi feito. Hoje o Brasil está registrando número recorde de mortes: mais de DEZ MIL em uma semana, batendo quase DUAS MIL por dia. Já são 268.370 vidas perdidas, fora as subnotificações. Além disso, passados dois meses, vimos apenas 4% da população brasileira ser vacinada, e isso só com a primeira dose; pessoas com a segunda dose, efetivamente imunizadas, não chegam a 2% da população. Em Santa Catarina recém atingimos os 3,5% de primeira dose, e 1% da segunda.    

Fica claro que temos uma política de morte em curso. Não se pode falar em “descaso” do governo, quando o que vemos é um trabalho ativo dos nossos governantes, em especial do presidente Jair Bolsonaro, para sabotar as medidas de contenção, proteção e vacinação. Campanhas de desinformação quanto ao uso de máscaras, sobre a vacina e sobre a mentira do “tratamento precoce” (que, nunca é demais dizer, não existe), a inexistência de um verdadeiro plano nacional de vacinação, a rasteira na execução e planejamento do Auxílio Emergencial, programa essencial para se pensar qualquer outro tipo de medida restritiva de combate à pandemia. Tudo isso, só para citar poucos exemplos, tem a assinatura de Bolsonaro embaixo, escrita com o sangue de milhares de mortes evitáveis. 

Por conta disso, o tempo passa, mas a pandemia não parece se aproximar do fim. Com a administração genocida em curso, a situação só se deteriora. Estamos muito pior do que estávamos há um ano atrás! Agravaram-se as desigualdades sociais, a pobreza e o número de pessoas em situação de rua em pleno período de crise sanitária! E o Auxílio Emergencial, política de inclusão para garantir as mínimas condições de vida nesse período, depois de ter seu valor reduzido, foi cancelado pelo governo federal. Vemos os sistemas de saúde nacional, estaduais e municipais entrando em colapso na nossa frente. Não existem mais leitos disponíveis, sequer médicos, enfermeiros e outros profissionais que suportem as condições degradantes de trabalho na linha de frente. Temos pessoas morrendo nas filas à espera de atendimento! Surgem novas variantes, justamente pelo descontrole da transmissão, que são mais letais e transmissíveis. A situação é de calamidade pública, crise humanitária, – sem rodeios – de barbárie!

E se a gente achou que esse era o limite, que não poderia piorar, fomos ingênuos. É nesse contexto que vimos os mesmos governantes liberarem, sem qualquer protocolo realista de proteção e segurança, o retorno presencial das aulas nas escolas básicas. Professores, funcionários, estagiários, técnicos, serventes, estudantes, pais, babás e familiares: todos sendo postos para circular em cidades que têm transporte público lotado e não garantem a fiscalização e o seguimento das normas básicas de contenção da disseminação do vírus. Todos sendo postos em risco altíssimo de contágio e transmissão, com as cepas (variantes)  mais mortais se disseminando cada vez com mais facilidade.  

É nesse contexto que Bolsonaro e Guedes tentam aprovar reformas e projetos que só aprofundam as causas estruturais da crise humanitária que passamos. É o caso da PEC Emergencial, ou PEC 186/19, cujo projeto inicial previa a redução em 25% do salário dos servidores públicos federais (incluindo profissionais da educação e da saúde pública) e a desvinculação dos gastos mínimos obrigatórios com Educação e Saúde, até então previstos na Constituição Federal. Gastos esses, vale lembrar, que já estão enxugados por conta da EC95, o desumano Teto de Gastos, que já mostra seus letais efeitos práticos na precarização de hospitais, postos de saúde e do SUS em geral nessa pandemia. É, também, o caso das propostas de privatização da Petrobras, dos Correios e da Eletrobras, que avançam a passos largos nas Câmaras Legislativas. 

E a cada dia somos bombardeados com novas denúncias que mostram que o fracasso nacional no combate à pandemia na verdade é consequência do próprio sucesso das políticas assassinas levadas a cabo pelo governo federal: se recusaram a comprar testes suficientes, e os que compraram deixaram vencer sem ser usados; se recusaram a comprar vacinas, mesmo com propostas de milhões de doses feitas pelas fabricantes; diminuíram o financiamento de leitos do SUS ao longo de todo o ano de 2020; deixaram de aplicar 80 milhões de reais que eram destinados ao setor da saúde… Tudo isso enquanto ouvimos que chorar a morte evitável de duzentos e sessenta e oito mil brasileiros não passa de “mimimi”. 

Tudo isso nos atinge, atinge a quem amamos, atinge a classe a que pertencemos e, portanto, nos afeta profundamente. Mesmo para aqueles e aquelas que estão conseguindo se manter em isolamento, a realidade insiste em entrar em nossa casa, não nos deixa descansar. Passar por esse período isolados, preocupados e muitas vezes doentes nos marca de uma forma dolorosa. Sentimos isso quando hesitamos em responder um “tudo bem?” de forma positiva: “na medida do possível, sim…”. Sentimos isso quando não conseguimos fazer uma atividade assíncrona por estar tendo uma crise de ansiedade. Sentimos isso quando não conseguimos manter o foco, ou sequer ver sentido, em uma aula síncrona. Nossa saúde, física e mental, manifesta os sinais do nosso abalo.

Rosa Luxemburgo uma vez disse que “quem não se movimenta, não sente as correntes que o prendem”. Ultimamente, o sentimento de impotência tem vindo à tona nas nossas reações frente aos acontecimentos da pandemia. Se movimentar não tem sido fácil, ainda mais isolados, em casa, sozinhos. Mas se nos sentimos impotentes, é porque no princípio desse sentimento se encontra uma fonte de muita revolta. Revolta difícil de canalizar, de transformar em ação, de encontrar um horizonte pelo qual possamos lutar. Para usar a metáfora do poema de Leonel Rugama, nós temos um incêndio queimando, mesmo que as sirenes do mundo façam silêncio.

Motivos para se revoltar não faltam. Olhemos mais especificamente para o nosso redor, no âmbito do curso de pedagogia da UFSC. Com o retorno presencial das escolas básicas, retornam também os estágios não-obrigatórios. Como ficam as estudantes que precisam dessa renda e agora se vêem na necessidade de voltar às escolas nas condições inseguras que estão postas? Onde estão as estagiárias e os estagiários no plano de vacinação? Mais ainda: onde estão TODOS os trabalhadores da educação? Segundo o plano nacional, lá na 15ª posição na ordem de prioridade! Até lá, trabalhadores e trabalhadoras, incluindo estudantes do nosso curso, se colocam em risco diário. 

As estudantes do nosso curso foram afetadas profundamente com o cancelamento do Auxílio Emergencial para 2021. Segundo o formulário de avaliação do Ensino Remoto, respondido por cerca de 40% das estudantes do curso, metade das estudantes solicitou esse auxílio! Como ficamos, então, sem essa renda, e com a inflação levando o preço dos alimentos, do gás de cozinha e da gasolina à estratosfera? Essa realidade faz com que muitas e muitos precisem começar a trabalhar, geralmente em postos extremamente precarizados, presencialmente, e com as condições de segurança sanitária também precárias. Sabemos, nesse sentido, como ficam os estudos para quem precisa desse tempo trabalhando, especialmente no Ensino Remoto…

Que frente a nossa situação e a situação das nossas colegas libertemos a revolta! É insustentável continuar sem fazer nada frente à conjuntura de morte a que estamos submetidos. Sim, se movimentar individualmente é difícil. Então que encontremos e organizemos nossa força no coletivo! O movimento estudantil, enfrentando as dificuldades e limites organizativos do período remoto, está se organizando para levar adiante a luta pela vida e pela vacinação. É nesse encontro coletivo que conseguimos efetivamente confrontar e superar a nossa impotência, organizar a revolta e lutar pela transformação da realidade!

Nos últimos dias, o DCE aprovou a criação de um Comitê de Luta pela Vacinação, um espaço político-organizativo que pretende reunir as categorias da Universidade estudantes, técnicos, professores e terceirizados para travar as lutas em defesa da vida, de enfrentamento à pandemia e pela vacinação de toda a população brasileira. É um primeiro passo, ainda inicial e em construção, que já aponta caminhos para nós. Construir o comitê é uma forma importante de nos colocarmos em movimento, participarmos das discussões, construirmos informação para influir no debate público, e estarmos na luta popular cobrando as autoridades e atuando nas manifestações da classe trabalhadora.

Dados os elementos da conjuntura, elegeu-se a luta pela vacinação como mote central das mobilizações a se seguir. Entendemos que não existe fim para a pandemia e suas adversidades que não seja pela vacinação universal de toda a população brasileira. Isso não significa, porém, se abster das outras frentes e pautas decorrentes da pandemia e sua gestão genocida. A luta pelo auxílio emergencial, medidas de restrição, proteção e contenção adequadas, pelo lockdown e pela ampliação dos leitos do SUS, e lutas que não se reduzem a isso, estão intimamente conectadas e articuladas pela bandeira da vacinação. Sem vacina, não podemos pensar em retorno presencial às aulas, por exemplo. Nossas mobilizações presentes e futuras passam necessariamente pela luta pela vacinação. 

O CALPe, enquanto entidade de curso, também iniciou suas discussões e sua organização para levar essa luta adiante. Além de aprovar a participação do comitê como principal forma de participar da luta, pensamos em ações para o nosso curso, como mobilizar os debates em torno da questão dos estágios presenciais e organizar lives, rodas de conversa e/ou outros espaços de debate e deliberação. No horizonte próximo, temos uma assembleia em que podemos discutir amplamente e com mais profundidade a nossa organização e nossas ações enquanto curso! Mas a construção realmente transformadora precisa da força dos números, de mais ideias, mais pés e mais mãos para concretizar as necessidades do momento. 

Por isso, lançamos esse chamado à ação: façamos as correntes sacudirem e as sirenes apitarem. Precisamos, mais do que nunca, de que todas, todos e todes estejam juntes para as lutas que se apresentam. É momento de vencer o imobilismo e superar a impotência, com coletividade e organização. Sendo assim, chamamos todes às reuniões do Centro Acadêmico, do DCE e demais espaços de organização estudantil, sejam eles movimentos, organizações ou coletivos. Que nelas possamos não só nos organizar e discutir, mas efetivamente transformar nossa revolta e nosso debate em ação! É com a participação de todes que esses espaços e entidades podem se tornar as ferramentas combativas que precisam ser. Levantemos nossas bandeiras, nossas vozes e nossa força, porque na luta contra aqueles que causam a dor e a morte, nossa resposta precisa ser dada com o ânimo da luta, com vida.

Centro Acadêmico Livre de Pedagogia – CALPe UFSC, dia 10 de Março de 2021.

 

PELA VACINAÇÃO IMEDIATA DE TODA A POPULAÇÃO BRASILEIRA!

EM DEFESA DA VIDA! LOCKDOWN COM GARANTIA DE RENDA PARA TODOS! AUXÍLIO EMERGENCIAL JÁ!

FORA BOLSONARO, MOURÃO E GUEDES!

POR UM SUS 100% PÚBLICO, GRATUITO E DE QUALIDADE!

PELA AMPLIAÇÃO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS)!

RETORNO PRESENCIAL SOMENTE COM VACINAÇÃO!

PELA REVOGAÇÃO DA EC95!

CONTRA A PEC186! POR MAIS, E NÃO MENOS, INVESTIMENTO EM SAÚDE E EDUCAÇÃO!

CONTRA A PRIVATIZAÇÃO DOS CORREIOS, DA PETROBRAS E DA ELETROBRAS! 

 

REFERÊNCIAS:

“Painel Coronavírus”, atualizado diariamente, disponível em: <https://covid.saude.gov.br>, acesso em 10 de Março de 2021.

“Vacinômetro-SUS”, atualizado diariamente, disponível em: <https://viz.saude.gov.br/extensions/DEMAS_C19Vacina/DEMAS_C19Vacina.html>, acesso em 7 de Março de 2021.

“Desigualdade social cresce nas metrópoles brasileiras durante a pandemia”, um estudo da PUCRS, INCT e RedODSAL, disponível em: <https://portal.fiocruz.br/noticia/desigualdade-social-e-economica-em-tempos-de-covid-1>, acesso em 9 de Março de 2021.

“O drama do auxílio emergencial e as condições de vida do povo brasileiro” de Leando Melito, disponíveis em:  <https://www.brasildefato.com.br/2020/05/28/o-drama-do-auxilio-emergencial-e-as-condicoes-de-vida-do-povo-brasileiro>, acesso em 9 de Maço de 2021.

Sobre o “kit covid”: <https://portal.fiocruz.br/pergunta/remedios-como-hidroxicloroquina-e-remdesivir-podem-ser-usados-no-combate-covid-19-0>, acesso em 08 de Março de 2021.

“Mais de 4.000 pessoas com covid-19 morreram à espera por um leito de UTI em seis Estados brasileiros” de Beatriz Jucá, disponíveis em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2020-08-26/mais-de-4000-pessoas-com-covid-19-morreram-a-espera-por-um-leito-de-uti-em-seis-estados-brasileiros.html>, acesso em 9 de Março de 2021.

Sobre as novas variantes do covid: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-56255766?at_custom3=BBC+Brasil&at_medium=custom7&at_custom2=twitter&at_custom4=B23BE4BC-7DA6-11EB-8E4D-25454D484DA4&at_custom1=%5Bpost+type%5D&at_campaign=64>, acesso em 9 de Março de 2021.

Sobre como a reabertura das escolas em SC: <https://g1.globo.com/sc/santa-catarina/noticia/2021/02/16/decreto-autoriza-aulas-presencias-em-sc-com-100percent-da-capacidade-das-salas-durante-pandemia.ghtml> acessso em 9 de Março de 2021

Sobre o risco da abertura das escolas: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2020-09/sp-reabertura-de-escolas-amplia-risco-de-covid-19-para-340-mil-idosos>, acesso em 9 de Março de 2021.

Sobre a aprovação da PEC Emergencial: <https://www12.senado.leg.br/noticias/audios/2021/03/aprovada-no-senado-pec-emergencial-aguarda-votacao-na-camara>, acesso em 8 de Março de 2021.

Sobre a privatização dos Correios, Petrobrás e Eletrobrás disponíveis em: <https://www.cnnbrasil.com.br/business/2021/02/23/bolsonaro-e-aconselhado-a-enviar-logo-mp-para-privatizar-eletrobras-e-correios>, acesso em 9 de Março de 2021.

Sobre a não-compra de vacinas: <https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/2021/01/22/em-carta-ceo-mundial-da-pfizer-pediu-a-bolsonaro-pressa-na-compra-de-vacinas>, acesso em 7 de Março de 2021.

Sobre a redução de recursos federais para leitos de UTI: <https://www.nexojornal.com.br/expresso/2021/02/13/A-redução-de-recursos-federais-para-leitos-de-UTI-em-meio-à-2ª-onda>, acesso em 9 de Março de 2021.

Sobre a não aplicação de 80 milhões de reais destinados a saúde disponíveis em: <https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2021/02/r-80-bi-de-verba-da-covid-em-2020-ficam-parados-e-parte-segue-represada.shtml>, acesso em 9 de Março de 2021.

Sobre Bolsonaro se referir a mortes causadas pelo COVID-19 como “mimimi”: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-56287135>, acesso em 9 de Março de 2021.

Sobre posição de trabalhadores em educação na fila de vacinação: <https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2021/03/05/vacinacao-de-professores-ainda-nao-tem-data-e-ministerio-mantem-ordem-em-lista-de-prioridades-entenda.ghtml>, acesso em 7 de Março de 2021.

Números da vacinação no Brasil: https://g1.globo.com/bemestar/vacina/noticia/2021/03/09/brasil-aplicou-ao-menos-uma-dose-de-vacina-em-87-milhoes-aponta-consorcio-de-veiculos-de-imprensa.ghtml > Acesso em 10 de Março de 2021

Mapa da vacinação no Brasil, por estado:
< https://especiais.g1.globo.com/bemestar/vacina/2021/mapa-brasil-vacina-covid/ > Acesso em 10 de Março de 2021